Perdas
Eu perdi dois bebês.
Saí há pouco de uma massagem ayurveda e havia uma piscininha de óleo de gergelim no meu ventre. Para nutrição profunda, me disse Lara, a massagista. Para deixar ir, ela me disse.
Quando eu perdi o primeiro, deixar ir era meu maior medo. Eu queria que voltasse. E era tão difícil encarar que nunca voltaria.
Foi em Recife, um mês depois da minha linda festa de casamento e da lua de mel em Alter do Chão. Na televisão do hospital e nas mensagens de celular, notícias da vitória de Bolsonaro nas urnas. Foi bem na hora da contagem dos votos. Demorei a sentir a dor do enorme retrocesso que pesava ainda mais fortemente sobre nós.
Não passava pela minha cabeça que eu podia perder meu bebê. Disseram que tinha sido uma gestação anembrionada (sem formação de embrião). Vim descobrir depois que não. Mas naquele momento, parecia que eu estava perdendo duas vezes. E reduziam tanto o que eu estava sentindo, dizendo que era normal aborto no começo da gestação e que eu era jovem, que não ficasse assim que já já engravidaria de novo, que pareciam querer arrancar de mim até a minha dor, tão minha e tão profunda.
Tive medo de deixá-lo ir. Descobri depois que era impossível.
Perdi o segundo dia 11 de abril, no Rio. Também no começo. No momento mais agudo do luto, tive raiva de quem me dizia pra acreditar, pra confiar. Eu, que era só confiança da primeira vez, fui puro medo da segunda. E perdi com medo do mesmo jeito que quando estava feliz.
Fui trabalhar dois dias depois. A vida é muito rápida, às vezes não dá tempo de só sentir. Às vezes a gente não aprende a se deixar sentir. Não sei o quanto essas duas perdas afetam quem eu sou hoje, como me sinto. A vida é muito rápida. Tinha uma piscininha no meu ventre. Chorei. E tudo isso continua em mim.