Os grandes problemas dão o contorno da vida, o arco geral. Os médios, o sentido do dia a dia. Os grandes interrompem, suspendem, impedem a respiração. Os médios fazem acordar dizendo “ai vida, puta merda” e dão logo uma tarefa a resolver. As tarefas fazem os dias. Dezesseis horas acordado pode ser muito sem um problema médio, ou quando todas as questões aplainam numa tediosa companhia. Tornam-se vizinhas ou familiares, tomam café contigo. Experimenta tirar tudo da frente para ver o que fica. Experimenta mesmo, diria o problema médio, ciente de sua posterior valorização. Médios problemas, incômodos que não paralisam, salvam do mesmo e do nada.
Chego na ponta do píer atraída pelo verde do mar, e o tempo inverte.
Instável inverno, me remexe e tremula como à superfície da água.
Ao vento, sou só poros, sinto.
Camada externa de um dentro que não vejo daqui.
Sou o chapisco do teto, disforme.
A ponta da onda, aguda.
Quebro.
E me formo de novo.
Esperando o momento de, enfim, ser espuma.
Só depois, à noitinha, com a maré baixa calminha, entendi que o mar sou eu.
Desligou aquele telefonema tão cheio de problemas e lembrou que não havia entrado no mar naquele dia. Só podia ser isso.
Havia decidido que seus dias seguiriam o ritmo das ondas, como quem decide se guiar por horóscopo, política ou religião.
Chegou na praia e viu o mar forte como não havia visto antes. Tentou entrar como sempre o fez e percebeu que o de sempre não cabia.
Logo na primeira pancada, ficou sem a areia que havia sob os pés.
Recuou e observou.
Olhou tempo suficiente para entender o ritmo das ondas. Para perceber até que ponto precisaria entrar…
poucas linhas molhadas
Estamos imersos.
Alguns submersos.
Afogamento e Covid matam pelo pulmão.
- Oi. Como você está?
Aprendeu, perdendo, que não sabia perder.
Com medo das perdas que viriam e que não se sabia quais, aprendeu, tentando, que perder não se aprende. E esperou.
Memes, medos e leite condensado
Recebi de duas amigas o mesmo meme, num grupo de whatsapp que tem três pessoas. Metade do meme era a reclamação das “pessoas sem filhos”: “ai, tô muito preocupada com essa quarentena! como ficar em casa só vendo netflix, internet e dormindo? vou pirar…”. Na outra, a imagem das “pessoas com filhos”: uma mulher arrodeada de crianças e cara de puta que pariu.
Quis responder: “exatamente essa a minha preocupação, não sei se durmo ou vejo netflix, ainda bem que não tenho filhos”. Elas sabem, obviamente, que eu perdi dois bebês, tento engravidar há dois…
O novo guru brasileiro
A Revista Piauí promove todos os meses o retumbante concurso literário Encaixe a frase. A do último certame foi “Ricardinho era o rei do pedaço; mandava soltar, mandava prender” e o ingrediente improvável, que também precisava estar no texto, era “Biotônico Fontoura”.
Aqui está o texto que enviei. No final, link para os vencedores.
O novo guru brasileiro
Ricardinho é um guru de merda ou, como ele prefere ser chamado, BioMestre, termo criado pelo marketeiro Lorenzo Henrique, nome (fake, ele não revela o de nascimento) em ascensão na Faria Lima. Lorenzo diz que “buscou inspiração” nas…
Meu olhar sobre o mundo parte de dois pontos de vista distintos. O do olho esquerdo e o do olho direito. Estrábica desde criança, gosto de pensar que tenho maior propensão à convivência dos diferentes. Mentira.
O direito é o mais turrão. Vê o mundo a partir do prisma da normalidade e é incapaz de enxergar a vida como o seu par. O esquerdo até consegue exercitar a empatia e se colocar no lugar do outro, guardadas as devidas restrições anatômicas. Mas desde criança, sempre foi mais à esquerda e mais para cima. Causou problemas, claro, como qualquer um que…
Lendo Uma breve história do tempo, de Stephen Hawking, (conhecedores e apaixonados por buracos negros, me add. Não sou conhecedora, longe disso, mas que negócio interessante) vi que um físico austríaco chamado Wolfgang Pauli descobriu, em 1925, o princípio da exclusão. Pauli era, nas palavras de Hawking, “o arquétipo do físico teórico: dizia-se que sua simples presença em uma cidade bastaria para fazer os experimentos por lá darem errado!” (A exclamação também é de Hawking.) Em 1945, Pauli ganhou o Nobel pela descoberta que fez 20 anos antes.
Já um outro cara, um indiano chamado Subrahmanyan Chandrasekhar, que em 1928…
Roteirista e jornalista